Quem me dera que pudessem ler-me com as músicas que fizeram o nosso dia. É a ouvi-las que vou deixando os meus dedos vaguear pelas letras, na tentativa de vos fazer sentir a essência de cada momento. Agora o peito começa a apertar. Deixo-me levar pelas memórias bonitas e pelos momentos de maior fragilidade e comoção, que me humedecem os olhos, de cada vez que viajo no tempo.
O meu sorriso deixa-me exposta.
Chegámos ao Palácio e estava tudo a postos para entrar na igreja.
À minha frente, abriram caminho alguns dos meus amores mais pequeninos. A sua cumplicidade imediata emocionou-me. Carolina, Leonor, Tomás e Xavier.
Fui eu que idealizei o outfit dos miúdos. Obrigada mamãs, por me deixarem decidir tudo. Corri retrosarias em Coimbra e Lisboa. Escolhi as rendas, o bordado inglês, o linho e o tecido para as faixas e mandei fazer os vestidos das meninas numa costureira. Sabia exactamente o que queria. Para calçar, tinha idealizado umas sabrinas o mais parecidas possível com umas sapatilhas de ballet e encontrei umas de pele em branco cru na Pisamonas. A minha mãe encontrou as cestinhas numa loja e eram exactamente como queria. As coroas e as flores das cestas ficaram a cargo da Anastácia (Botânica).
O meu sobrinho Gabriel (na altura com 4 meses) e o Xavier (13 meses) foram vestidos com uns fatinhos que encontrei na Laranjinha e o Tomás com uns calções da Gocco e uma camisa branca. Também acabei por encontrar os ténis na Pisamonas. Queria uns da Victoria, mas não havia o tamanho dos dois.
Iam tão bonitos e tão queridos, que adoçavam qualquer um. Um orgulho. Passaram o casamento a levar-nos flores. :)
Primeiro entraram estes amores e uns passos depois entrámos nós. Foi de mão dada com os meus dois que quis entrar. O meu irmão já o tinha feito e, para mim não faria sentido de outra forma. São os meus alicerces, que mais uma vez que acompanharam na determinação e no sonho.
So far, so good.
Easy peasy lemon squeezy.
Até que no segundo passo, olho para o fundo da igreja e foco o Fred. Vejo-o a sacudir o nervosismo e a vulnerabilidade dele tornou-se minha. Foi aí que os meus joelhos perderam a força e tive de conduzir a mão que a minha mãe levava à cara, para travar as lágrimas pesadas. Ouvi algumas palavras queridas dos convidados e continuei, a sorrir.
Já no altar, sorrimos e abraçámos os meus pais.
Claro que foi muito mais fácil ir às lágrimas, quando estas quatro mulheres incríveis do quarteto Arcos de Almedina tocaram o meu repertório de sonho. Que o diga a minha madrinha, que chorou o tempo todo! :D Casava outra vez só para as ouvir novamente. Só tenho de agradecer por terem aceite o desafio de satisfazer esta noiva exigente.
Eu não queria voz e também não podia ter toda uma orquestra a tocar para nós e elas fizeram os ajustes necessários e nunca me limitaram. Adorei trabalhar com elas! Choro sempre, emocionada, quando vejo os mini vídeos feitos pelos convidados.
Quando a música de entrada acabou, ficámos à espera que o padre aparecesse e… nada! Estranhamente, eu não estava minimamente preocupada, estava meio extasiada com tudo. Mas os convidados estavam inquietos e expectantes. E algures, no meio do burburinho que se instalou, ouviu-se uma voz radiofónica. Lá estava ele, propositadamente camuflado entre os convidados.
O meu irmão preparou-nos uma pequena surpresa no início da cerimónia. Como arquitecto, fez uma analogia entre as casas que projectava e as casas dos botões e o potencial que se gera quando abrirmos a nossa casa a outros botões. Cada pessoa tinha uma tira de tecido. Numa extremidade tinha um botão, na outra, uma casa (ranhura para abotoar). Então, juntámos as nossas tiras, individualmente funcionais, às tiras das pessoas que estavam ao nosso lado e, colectivamente, criámos algo maior e melhor. O casamento é um bocadinho isto, não é? Foi tão bonito. ♥
A homília foi um momento de reflexão e de analogias oportunas e actuais. A primeira tinha a ver com a forma como vemos os outros e o mundo. O padre meteu óculos de sol, tirámos selfies, o nosso fotógrafo tirou-nos uma foto, um convidado voluntário também — tudo isto para ilustrar a ideia de que os pontos de vista serão sempre diferentes, mas temos de saber contemplá-los numa relação a dois.
Na segunda analogia, o padre usou literalmente uma laranja para salientar a questão da partilha. O desafio era dividir irmãmente a laranja por três e reflectir sobre a maneira mais eficaz para o fazer. Chegámos à conclusão de que fazer sumo podia ser a solução.
Na parte da troca das alianças, eu que repeti vezes sem conta a minha parte nos meses que antecederam o casamento, tive uma branca e lá me esqueci do “ser-te fiel” — e juro que não foi de propósito! :D
Aqui conseguem ver uma das caixas das alianças que o meu pai fez. Na altura lembro-me que a queria perfeita, mas foi a imperfeição que a tornou a melhor analogia para este dia e para a vida.
Os votos. O Fred foi o primeiro a ler os dele e o primeiro a emocionar-se. Eu parti de um desenho que fiz com 2 ou 3 anos num livro de receitas da minha mãe e que, coincidentemente, partilhava algumas das características físicas do Fred: dedos longos, olhos pequeninos, um sorriso sem mostrar os dentes e um cabelo com vida própria. :) Parti daí e escrevi um texto bonito, ciente de que a vida a dois não é só rainbows and unicorns.
Quando ambos recordámos as pessoas que perdemos pelo caminho, o peito ficou apertado, as cordas vocais secaram e os meus olhos humedeceram. Fiquei uns segundos a tentar isolar a ferida aberta e o Fred continuou e leu a minha parte até me recompor. A ausência de um amor deixa um vazio gigante em nós.
A Sara já antevia que o meu casamento iria ser duro de gerir emocionalmente, pela positiva. E a verdade é que não conseguiu conter as lágrimas desde o início. E aqui, o noivo (atrás) e o meu irmão estavam a gozar com ela. A minha mãe também estava visivelmente emocionada.
Depois vieram os abraços quentes da família. Há poucas coisas melhores que isto. :)
A minha avó materna também estava muito comovida.
No fim da cerimónia, li um poema de para a minha bisavó. Uma homenagem sentida, de voz tremida, para quem sempre desejou ver-me casar. ♥
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade, em ‘O Corpo’
A saída dos noivos é sempre aquele momento épico e connosco não foi diferente.
Claro que há sempre alguém que se encarrega de tornar a ocasião ainda mais memorável! Não é, Miguel?
Muitos beijinhos e abraços depois, o dia continuou nos jardins do Palácio com o cocktail de recepção aos convidados.
To be continued…
A G R A D E C I M E N T O S E S P E C I A I S
Arcos d’Almedina
Piano: Katia Reva
Violino: Débora Costa
Viola d’Arco: Mariana Ferreira
Violoncelo: Francisca Marques
Luís Francisco
Flores e Ambientes (obrigada, Sogrinha)
Anastácia (Botânica)