Este dia estava a ser bom demais. Nada fazia prever o que aconteceu depois do corte do bolo.
Uns minutos depois de comermos a sobremesa, o Fred veio ter comigo e disse “Didi, esquece a pista.” — Calma lá. Como assim, esquece a pista?! — “Não tens noção da ventania que está lá fora. A tenda parece que vai levantar voo. O DJ já está a tirar o material e o senhor que nos alugou a tenda disse para fecharmos tudo e sairmos de lá.” — Só acredito quando vir. Fui até às galerias que davam para o jardim e não queria acreditar que aquilo não tinha sido um exagero do meu recém-marido. Pensei — Ok, vamos improvisar e fazemos uma pista cá dentro, com o volume mais baixo, mas não vamos deixar de ter festa! Até porque tenho que dançar com o meu pai e tenho toda uma coreografia hilariante para fazer com o Fred.
Alguns convidados tinham começado a estrear o Photobooth e eu estava a voltar para a sala de jantar, quando se ouve um grande estrondo, seguido de uma chuva de vidros, que caíram projectados do primeiro andar para as nossas cabeças. Houve um breve momento de pânico e só me lembro do meu pai de braços abertos, a mobilizar toda a gente “TUDO PARA A SALA DE JANTAR! MANTENHAM A CALMA!”. Eu acho que nesse momento, fiquei sem reacção. Devemos ter sofrido todos de taquicardia por uns instantes, mas felizmente ninguém se magoou a sério. Acho que o meu padrinho ainda fez um corte na cabeça. Eu lembro-me de ter levado com vidros na cabeça e no peito, mas a minha preocupação (depois de saber que estava toda a gente bem) era um bolo cheio de vidros que eu não ia comer! Ahahaha!
Mais de 10 homens entraram em modo herói e subiram ao 1.º andar do palácio para tentar fechar as portadas. O vento soprava com tanta força que ainda se debateram um pouco e tiveram de arrastar os armários reais (que devem ter vindo da China ou do Japão) para as manter fechadas.
Estava tudo meio incrédulo com o que se tinha passado e alguns precisaram de mais tempo para recuperar do susto. Instantes depois, para tornar a coisa ainda mais memorável, falta a luz. O Palácio não tinha gerador, mas nós levámos um. Infelizmente, não dava para ligar à corrente do edifício por falta de compatibilidade da ligação, segundo me explicaram. O gerador só dava para ser utilizado na tenda, que por sua vez, era o último sítio onde queríamos estar.
Felizmente, a minha decoração tinha imensas velas que ainda tinham algumas horas de chama pela frente. Como tinham ficado muitas velas na igreja e havia acessos pelo interior do Palácio, algumas pessoas foram buscá-las e a sala de jantar ficou iluminada até às 5h, quando conseguimos sair.
Quando o vento acalmou um pouco, alguns convidados saíram para ir ver como estavam os carros e as estradas. O cenário era devastador: árvores caídas, troncos em cima de carros, árvores a cortar caminhos e estradas, muros desmoronados. Mesmo a igreja, que tinha sido arranjada há pouco tempo, não se safou. Quando vejo a cara do meu pai no regresso, tive um momento de fraqueza. Os meus pais tinham comprado carro no final desse verão e o meu pai parecia-me devastado. Recompus-me depois de umas lágrimas e fui para a sala de jantar. O meu pai, um primo e uns amigos fizeram alguns contactos para a protecção civil, bombeiros e GNR/Polícia, para avisar que estávamos ali retidos e precisávamos de ser evacuados e aproveitaram também para obter mais informações.
As crianças estavam cansadas e umas já dormiam no colo. Com as almofadas e mantas da decoração, (que felizmente tinha pedido para trazer da rua quando começou a chover), as mamãs criaram um cantinho na sala de jantar para os mais novos descansarem. Parecia um mini campo de refugiados e todos nos sentimos enternecidos ao vê-los dormir tão descansados naquele cenário.
E, porque a festa não podia acabar assim, peguei nas minhas solteiras e à luz das velas, jogámos ao Bingo para eleger a grande vencedora do meu bouquet! Ahahaha! Foi um momento hilariante e estavam todas tão bem dispostas que só tenho mesmo a agradecer. Nestas ocasiões, é bom estar rodeada pelas pessoas certas. ♥
Entretanto, com tudo já mais calmo, o serviço de catering serviu os buffets à luz das velas. Mais tarde, a D. Alice (responsável pelo Palácio), dado o estado de sítio, abriu uma excepção: destrancou os quartos e distribuiu mantas e almofadas para quem quisesse descansar, visto que a noite se adivinhava longa. Quem já não conseguiu um lugar nos aposentos, andou a recolher os coxins das cadeiras e improvisou um colchão nos corredores do 1.º andar.
Quando chegou a ajuda, convidámos os bombeiros para comer, enquanto nos contavam como estava a ser a noite deles. Acordámos quem ainda estava a dormir nos quartos e abandonámos o Palácio. Foi no caminho até ao hotel que nos apercebemos da real dimensão dos estragos provocados pelo Leslie. Basicamente, preparámos um escape room para os nossos convidados e foi tão realista, que toda a gente acreditou que era mesmo uma tempestade. :D
♥
Claro que tive pena de não ter tido pista, de não ter dançado com o meu pai e com o Fred, de não ter tido um casamento com tudo o que achava ter direito e de não ter usufruído de tudo o que paguei. Mas na verdade, o mais importante é que tendo em conta o que aconteceu, tivemos muita sorte. Ninguém foi apanhado pela tempestade, ninguém se magoou e soubemos gerir o drama que esta noite podia ter sido e que na verdade, foi para muita gente. A frustração nem sequer teve muito tempo para se instalar, porque começámos imediatamente a pensar num plano para acabar o que ficou pendente e celebrar simultaneamente o nosso primeiro ano de casados. Foi um dia para celebrar o amor, a família e a amizade.
Este dia também nos deu várias lições importantes. A começar nas nossas verdadeiras prioridades, quando nos apercebemos da superficialidade de muitas coisas que julgamos essenciais e acabando na gestão de expectativa. E neste caso específico, na vida a dois. Nem tudo vai ser como imaginamos ou idealizamos, mas é preciso improvisar, ter planos B. Espero ser capaz de me lembrar desta lição ao longo da vida.
THE END.